sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Vinho tinto

Nem que eu embarcasse no mais rápido dos jatos. Nem que eu tivesse uma passagem para o trem mais veloz do mundo. Nem que o mais ágil dos carros estivesse agora a minha disposição. Nem que eu soubesse a fórmula mágica de encurtar distâncias.......nem mesmo assim eu conseguiria me alcançar.

Aquela pergunta me corroía por dentro, mas não por si só. A angústia verdadeira estava em não conseguir respondê-la. "Onde foi que você se perdeu?". Pensava em mil e sei lá quantas maneiras, mas.....onde foi que me perdi? O que mais me consumida não era nem o próprio fato de estar perdida, e sim o de ter me perdido de mim mesma e não saber como ou onde me encontrar.

As vezes parecia que eu estava sonhando, e não precisava nem dormir ou sequer fechar os olhos. Eu estava aqui, só, e conseguia me ver lá longe- distante. Eu me observava conversando com as pessoas, rindo e até contando piadas sem destino. Eu me via com um gargalhar tão bem acompanhado no rosto, e nos olhos, que me perguntava: em que parte de mim está tudo isso que eu não sinto?

Certo dia me sentei, sozinha, naquela mesa de canto do nosso bar preferido, sempre abafada pela fumaça vinda do cigarro dos bohemios. Pedi uma taça do nosso vinho preferido e ali fiquei apenas assistindo a cena da peça de minha autoria. O ato era aquele em que eu era a atriz, interpretando o papel de protagonista (no caso eu mesma), acompanhada de meus amigos, inimigos, amores e dissabores. Confesso que nesse dia aplaudi-me de pé. Conversei com todos que me cercavam. Sorri magnifica e encantadoramente para meu amor a direita. Acariciei dissimuladamente a face daquele dissabor a esquerda, como se por ele eu sentisse metade da vontade que se apoderava de mim pelo meu amor direito. Me vi parafrasear sobre bossa nova, política, mentiras e algumas impuras verdades. Falei até sobre tudo, ou quase tudo, que me atormentava como se não me afetasse. E se lhe interessa nem com olhos chorosos fiquei- enquanto o meu desejo era me afogar naquela taça de lágrimas. Pq acabei me aplaudindo de pé? Nem inimigos, nem amigos, nem dissabores, nem amores, ninguém. Ninguém percebeu que eu já nem estava mais lá, se é que um dia estive.

Alguns outros tolos disseram-me ainda: "como você está linda". E eu naturalmente sorri e agradeci, mesmo desejando apenas que as cortinas se fechassem, a luz se apagasse e eu pudesse finalmente me afogar.

Talvez no dia em que as cortinas se fecharem eu tenha tempo de marcar aquele encontro comigo mesma.

...e me afogar em paz!

R.R.
25/02/2009

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

a luz de velas

O escuro se desfez quando a feia moça ascendeu as velas. bem a nossa frente ela riscou o fósforo e deu luz aquelas magricelas brancas velas. direcionou seu olhar a nós e quando percebeu do que se tratava, logo se retirou. não lhe demos nem tempo para que se fizesse ausente dali.

colocou sua mão sobre a minha, e mais parecia coloca-la sobre o meu coração, tamanho foi o seu disparo. dedos que se enlaçaram, dedos que se contornaram, dedos que se afastaram, dedos que se acariciaram, dedos que se beijaram, dedos que se afastaram. como jamais havia sentido, algo me causou uma epifania sem tamanho. percebi que não era mais tão só. sinceramente não sou capaz de dizer nem quem, nem o que me tocou tanto, sei apenas que senti-me. aliás, acho que identifico aquilo como segurança, porque tudo que me amedrontava, ao toque de uma mão, desfez-se.

eu pensava ser capaz de identificar cada milímetro do que sou feita[emoção], mas há momentos em que eu perco essa certeza. certas coisas que eu faço, ou que fazem, ou que o mundo faz, me fazem ter a convicção de que convicções são apenas convicções. da mesma forma que você as tem, pode deixar de tê-las, ou de inventá-las. se quer mesmo saber, nem sou muito criativa. quando aquelas mãos se tocaram, minhas convicções não queriam mais saber de mim.

disse que eles enlaçaram-se, mas já nem sei mais, vejo que aquilo estava mais para um nó cego, do que para um laço bonito. aliás, nome que encaixou-se perfeitamente: nó cego.

pena é que alguém soprou as velas, e tudo escureceu.

R.R.
10/02/09