segunda-feira, 9 de março de 2009

Um jogo a sós

os que me viram devem ter pensado que eu estava em um momento de insanidade ou qualquer coisa assim. alguns outros poucos sentiriam pena. e aqueles outros alguns simplesmente diriam que era algum ato sem sentido de uma desocupada.

peguei a cadeira velha, de palha, da perna torta e a coloquei bem no centro do campo vazio. a grama umidecida pelas gotinhas daquela chuvinha fina e gelada que caia. chuva fina e noite fria. do lado de fora do alambrado abraçado pela ferrugem, apenas escuridão, escuridão, escuridão e escuridão. no seu interior o que me fazia conseguir enxergar eram aqueles gigantescos holofotes, e todos direcionados para onde me sentei.

mergulhei meus pés, até então quentinhos, naquele mar verde e senti uma cosquinha por entre os meus dedos. aproximei meus joelhos, recostei minhas mãos sobre as borda da cadeira e inclinei-me pra frente pra poder observar melhor o mergulho. enquanto os observava brincar e sorrir daquela sensação, lembrei-me de que havia tempos que eu e as estrelas não conversava-mos. levantei minha cabeça rapidamente para chamá-las mas, como já era de se esperar, meu jeito desastrado foi com impulso demais e eu e a cadeira agora estávamos de pernas pro ar.

coloquei as mãos no rosto, me envergonhei e ri da minha própria falta de desenvoltura. ah, que maravilha foi quando essas mãos resolveram deixar meu rosto e gritar as estrelas.
deitada ao lado da cadeira, que ainda estava de pernas pro ar, me emocionei. não sei se foi a beleza delas, se foi a gentileza em atender meu chamado, ou se foi só um efeito chamado saudade. levei minhas mãos até o peito e apertei-as contra ele como se assim elas fossem conseguir chegar até a falta e arrancá-la de mim. infelizmente por mais força que eu fizesse, ela não queria sair de mim.

quando vi que por mais que meu grito fosse forte elas não se aproximariam de mim, deixei de olhar pro teto e virei meu olhar para a escuridão depois da ferrugem. admirando-a percebi que não éramos tão diferentes quanto eu pensava. eu dotada de tanta pequenez, ela tomando conta de uma imensidão. ela feita de tons sombrios e eu de pele tão clara. eu na minha voz alta, fina, escandalosa, ela no seu silêncio e mistério. mas apesar de tanta diferença, dentro de mim eu era tão escuridão quanto ela. imensa, pintada em tons sombrios, silenciosa e misteriosa.

já não estava mais rodeada de escuridão, agora eram espelhos. e um dos meus espelhos foi ofuscado por um brilho estranho que enquanto eu secava o olhos me distraiu. o brilho no teto me chamou e de nada adiantou tentar secar aquela água que saia dos olhos, porque ela insistia em molhar de novo esse rosto amedrontado. olhei aquele brilho intenso lá em cima e quis voar até ele. senti o vento dançar com castanho cumprido dos meus cabelos e o choro ruir pela lateral dos meus olhos. comecei a escutar aquela música que parecia não ser nada além de uma canção. dizia pra que eu me entregasse a suavidade de tudo aquilo, pra que tentasse encontrar uma lado diferente. me perguntava por que havia tanta vida sufocada abaixo das estrelas. a canção pedia pra eu me lembrar do dia em que vi esse brilho pela primeira vez, quando demo-nos um laço pela primeira vez e de como a vida mudou depois disso.

me levantei e me convidei para dançar enquanto ele cantava pra mim. dancei por tamanha imensidão. dei um nó com os braços em volta do meu próprio corpo e chorei de saudade.

parei com o tango, sentei-me, limpei as lágrimas mais uma vez e tomei dele o microfone. pelo menos por um bom tempo não haverá mais brilho e menos ainda uma canção pra ser dançada...

R.R.
09/03/09