segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Entre quatro paredes

a questão não são as coisas que acontecem, são as coisas que sinto. as vezes olho para aquela pagina em branco e imagino o que faria ali. poderia ser um desenho cheio de cores, arco-íris, um belo sol amarelo e um riacho azul. poderia desenhar apenas olhos lacrimejando em tons de cinza, branco e preto. poderia apenas pegar a pena quebrada e escrever-lhe.

ao longo do tempo em que meus pensamentos iam se atropelando, a pena cansada ia contornando as letras e delineando meus dissabores. ao longo do papel branco ela contou sobre o dia em que me senti só. sobre o dia que me senti tão só ao ponto de conversar com as paredes, pelo menos elas não tinham o poder de me apunhalar, e ainda aproveitei o fato de dizerem por ai que elas tem ouvidos. e se você quer mesmo saber elas são boas ouvintes.

contei para a parede a minha frente, cor de chuva, sobre meu choro. disse-lhe que meu soluço era de dor. o pranto devia-se a saudade, as alegrias não vividas, a melancolia mal [e talvez nunca] resolvida. falei para a parede cor de chuva que da mesma tinta que ela era feita, pintaram meu rosto, e da mesma forma que ela parecia triste, esta face apenas se enchia de dor. a vezes parecia que sua cor já dizia que ela não chovia, mas chorava. esse pranto incomodo, daqueles que parece que nunca te deixará, que o tempo nunca vai curar, que nunca passará. e eu, um poço fundo de amargura me tornei. expliquei a ela que nem sempre sentir-se só implica não ter ninguém. ela nem mesmo se manifestou contra ou a favor de nada daquilo, e mais uma vez me vi só.

contei para a parede cor de céu que nem todos os dias são de sol e nem todas as noites são sombrias. para a parede cor de céu disse sobre meus sonhos, meus tão profundos e ilusórios sonhos. e depois de descobrir que não passavam de (des)ilusões, mudei a cor da parede cor de céu para parede cor de olho quando chora. mudei a cor de uma parede muda, e o olho chorou, ou se lembrou, ou torturou, ou saudoso ficou, e chorou.

contei para a parede cor de noite sobre as minhas esperanças, vontades, desejos. ela não falava mas refletia através de si o que meu corpo queria. meu corpo espera por um estado de êxtase tão intenso que chega a acreditar em mágica. minhas mãos com esperança de encontrar um sorriso pra tocar. os braços com esperanças de um corpo para enlaçar e dar um nó cego. a boca sente falta daquilo que remove o batom cor de paixão. contei pra parede cor de noite que minhas (des)esperanças agora me deixavam desesperada, e sombria como a mais fria e insólita noite de inverno. contei pra parede cor de noite que por mais que eu quisesse, nem por mais uma noite haveria esperança.

contei para a parede cor de sol sobre meu sorriso. falei pra ela sobre aqueles que me fizeram (des)sorrir, gargalhar, imaginar, pular, gritar e chorar. contei pra minha parede cor de sol que dentro de mim havia uma luz que nem eu mesma era capaz de entender. contei pra mim mesma que gente com cor daquela outra parede tem braços grandes que resolveram me enlaçar. braços tão negros que fizeram de um coração que queria salvar o mundo, um coração que não era mais capaz de salvar sequer a si mesmo. mãos tão sombrias que tiraram o poder de acreditar. e a fé se desfez. Deus é inquestionável. contei para a parede cor de sol que minha fé morreu nos homens.

quando me vi nem mais paredes havia e restava-me apenas chão e teto. céu ou inferno. nem me via mais, apenas lembro-me de quando desfaleci no chão...

R.R.
27/01/09