domingo, 29 de março de 2009

ESPELHO

já que estou aqui, diante de você, e olhando nos meus próprios olhos, vim aqui para me confessar. pra poder te explicar de onde vem tantas lágrimas, tantos tormentos, momentos. vim aqui me confessar porque já não consigo mais olhar dentro dos meus próprios olhos e me ver tão triste.

o nome do meu caminho vem sendo decepção. parece que o raio de sol que entrava pela janela logo cedo se transformou em gotas de chuva, que batem nessa janela parecendo que querem quebra-la. e vão! parece que minha vontade de me entregar a vida foi levada pelo vento como a poeira da minha velha escrivaninha. decepcionei-me ao procurar o lado diferente que eu sempre achei que todas as pessoas tinham. quando procurei naquelas que desgostava, acabei me sujando. e quando fui até aquelas que eu pensava conhecer, acabei chorando.

olhei nos meus olhos e não me vi mais criança...não me vi mais brincando de sorrir pra vida, de dar cambalhotas, nem de dançar na chuva, de gritar ou rir sem nem precisar de motivo. descobri um mundo tão errado, tão torto, que nem na minha velha crença de que é preciso errar sempre eu sei se acredito. o que parece é que eu consegui ensinar isso às pessoas, mas elas aprenderam do jeito que elas queriam, e não do jeito que podia fazê-las acertar. erros inconsequentes machucam as pessoas. erros sinceros crescem a gente. vejo tanto preto e branco ultimamente que até nos abraços que pintavam vida eu deixei de ver cores...alguém tomou aquelas cores de mim e eu sequer sei a razão.

quando olho nos meus olhos vejo que a vela que sempre esteve acesa aqui dentro conserva um fogo quase frio, vejo que a chama que eu acendi pensando que podia mudar a vida foi apagada. as pessoas sopram forte e a gente nem percebe. não fazer a diferença, ou não ser a diferença, dói. o meu olhar me diz que tanta mentira chega a tirar o fôlego. chega a dar vontade de olhar mais de perto o bater das ondas.

o meu olhar olha para as estrelas e ao invés de ter vontade de correr até elas, apenas chora.

fica cada dia mais difícil olhar dentro dos seus olhos, ou de mim, ou de você.

R.R.
29/03/09

segunda-feira, 9 de março de 2009

Um jogo a sós

os que me viram devem ter pensado que eu estava em um momento de insanidade ou qualquer coisa assim. alguns outros poucos sentiriam pena. e aqueles outros alguns simplesmente diriam que era algum ato sem sentido de uma desocupada.

peguei a cadeira velha, de palha, da perna torta e a coloquei bem no centro do campo vazio. a grama umidecida pelas gotinhas daquela chuvinha fina e gelada que caia. chuva fina e noite fria. do lado de fora do alambrado abraçado pela ferrugem, apenas escuridão, escuridão, escuridão e escuridão. no seu interior o que me fazia conseguir enxergar eram aqueles gigantescos holofotes, e todos direcionados para onde me sentei.

mergulhei meus pés, até então quentinhos, naquele mar verde e senti uma cosquinha por entre os meus dedos. aproximei meus joelhos, recostei minhas mãos sobre as borda da cadeira e inclinei-me pra frente pra poder observar melhor o mergulho. enquanto os observava brincar e sorrir daquela sensação, lembrei-me de que havia tempos que eu e as estrelas não conversava-mos. levantei minha cabeça rapidamente para chamá-las mas, como já era de se esperar, meu jeito desastrado foi com impulso demais e eu e a cadeira agora estávamos de pernas pro ar.

coloquei as mãos no rosto, me envergonhei e ri da minha própria falta de desenvoltura. ah, que maravilha foi quando essas mãos resolveram deixar meu rosto e gritar as estrelas.
deitada ao lado da cadeira, que ainda estava de pernas pro ar, me emocionei. não sei se foi a beleza delas, se foi a gentileza em atender meu chamado, ou se foi só um efeito chamado saudade. levei minhas mãos até o peito e apertei-as contra ele como se assim elas fossem conseguir chegar até a falta e arrancá-la de mim. infelizmente por mais força que eu fizesse, ela não queria sair de mim.

quando vi que por mais que meu grito fosse forte elas não se aproximariam de mim, deixei de olhar pro teto e virei meu olhar para a escuridão depois da ferrugem. admirando-a percebi que não éramos tão diferentes quanto eu pensava. eu dotada de tanta pequenez, ela tomando conta de uma imensidão. ela feita de tons sombrios e eu de pele tão clara. eu na minha voz alta, fina, escandalosa, ela no seu silêncio e mistério. mas apesar de tanta diferença, dentro de mim eu era tão escuridão quanto ela. imensa, pintada em tons sombrios, silenciosa e misteriosa.

já não estava mais rodeada de escuridão, agora eram espelhos. e um dos meus espelhos foi ofuscado por um brilho estranho que enquanto eu secava o olhos me distraiu. o brilho no teto me chamou e de nada adiantou tentar secar aquela água que saia dos olhos, porque ela insistia em molhar de novo esse rosto amedrontado. olhei aquele brilho intenso lá em cima e quis voar até ele. senti o vento dançar com castanho cumprido dos meus cabelos e o choro ruir pela lateral dos meus olhos. comecei a escutar aquela música que parecia não ser nada além de uma canção. dizia pra que eu me entregasse a suavidade de tudo aquilo, pra que tentasse encontrar uma lado diferente. me perguntava por que havia tanta vida sufocada abaixo das estrelas. a canção pedia pra eu me lembrar do dia em que vi esse brilho pela primeira vez, quando demo-nos um laço pela primeira vez e de como a vida mudou depois disso.

me levantei e me convidei para dançar enquanto ele cantava pra mim. dancei por tamanha imensidão. dei um nó com os braços em volta do meu próprio corpo e chorei de saudade.

parei com o tango, sentei-me, limpei as lágrimas mais uma vez e tomei dele o microfone. pelo menos por um bom tempo não haverá mais brilho e menos ainda uma canção pra ser dançada...

R.R.
09/03/09

domingo, 1 de março de 2009

O pequeno enigma.

ela veio caminhando em minha direção, com a fita colorida nos cabelos e a saia rodada. o salto alto e as bolinhas do sapato de boneca a traziam até mim. chegou com um sorriso pintado nos olhos e nos lábios o meu batom preferido, nenhum. sequer a conhecia e ela já se aproximou e tocou suavemente minha face deixando seu contorno impresso em mim. sentou-se ao meu lado, a algumas cadeiras de distância, o que me impedia de observa-la o tempo todo. mas sempre que cantava eu me inclinava o suficiente para que ela pudesse me enfeitiçar.

depois de um tempo ela já me tratava como seu eu fosse aquele seu velho melhor amigo que esconde por ela uma paixão arrebatadora. ria das minhas piadas e até mesmo do meu silêncio. me olhava como quem tenta descobrir o que existe por traz de uma cortina.

começamos então o jogo. não um jogo entre eu e ela, mas como em uma dança formaríamos um dueto contra os outros que por ali bailam. ela, docemente, alertou-me para sua inexperiência quanto aquilo e eu disse-lhe que não havia problema. e por mais que o resultado tenha sido o pior possível, ela conduziu a dança maravilhosamente bem. jamais vi olhos valsarem tão bem.

a noite veio nos abraçar e acabou fazendo com que eu tivesse que despedir-me dela. disse ela que vivia perto dali, em um lugar onde os pássaros cantarolavam para que seu sapato de bolinhas sapateasse por muito tempo. em um lugar em que os dias eram quase sempre de sol, iluminando o pé de Ipê que ela avistava da varanda. Sorriu com sua suavidade de primavera e disse-me: "moro em um lugar onde talvez nós dois sejamos felizes para sempre algum dia!". Gargalhou da própria ironia, ou não ironia, ou sinceridade, ou fantasia. Sinceramente, minha menina era pra mim um mistério.

mistério que talvez eu nunca mais venha a desvendar.

R.R.
01/03/2009