quinta-feira, 7 de maio de 2009

Vida rasgada

Eu estava simplesmente observando a tarde passar quando olhei pelo reflexo da vidraça e vi uma caixa velha, empoeirada, em que eu guardava minhas memórias. Abri e ali encontrei rascunhos amarelados de histórias que nem eu msm sei o ponto de partida e nem se chegaram a algum lugar.

Ali eu encontrei memórias mortas que acabaram renascendo e me fazendo sentir a mesma emoção que se passou quando tudo aquilo aconteceu. Quando virei aquela caixa de cabeça para baixo encontrei bem lá no fundo, no papel mais velho e talvez por isso mais rasgado, uma lembrança encantadoramente machucada. Abri-a e ela começou a discorrer pra mim sobre tudo aquilo que eu vivi, senti, chorei, cuidei, salvei, ajudei...amei. Ela contou pra mim sobre a carta que acabou-se em lágrimas.

Tudo começava falando sobre uma promessa que a mulher havia feito pra si quando ele a fez chorar muito. Uma promessa que ela confessava ter quebrado por não saber se esconder daquele que sabe ver a alma.Da sua jura ela saltou para a saudade. Manifestou a saudade que sentira de sua música preferida, enquanto ela esteve silenciada, manifestou a saudade sentida da presença, da segurança, do cuidado. Manifestou saudade de quando as lágrimas eram enxugadas por ele ao invés de causadas, da brisa ocasionada pela respiração, do abraço, do perfume, do ponto fraco. A menina manifestou saudade apenas daquilo que sentira. Manifestou saudade da saudade.Falou sobre o burburinho que a incomodava sempre: uma felicidade de meia tigela que não floreia a essência de ninguém e pinta a pele de tons de cinza. Um alegriazinha simplória que de vez em quando fazia sorrir e de vez em quando parecia que o mundo ia mesmo era cair. Questionou os motivos de gostar de tão pouco e como ele sabia não ser completo. Confessou mesmo ser daquele que ama, mas que deixaria de sê-lo, não por escolha, mas por precisar respirar e deixar de se sufocar.A mulher se emocionou ao professar novamente a ele as três palavras que tanto lhe faziam tremer as pernas, mas sentiu-se aliviada quando pode incriminar-se. Ela chegou a ter a sensação de que estava sendo beijada, mas sabia que isso seria apenas um gesto representando tudo aquilo que acabava de confidenciar. Chegou a ter a sensação de que estava sendo abraçada, mas pena que sabia que esse efeito era causado apenas pelo medo de nunca mais provar daquele afeto.A emoção a encontrou mais uma vez quando ela disse-lhe que estava apenas se despedindo, porque sabia que aquela carta não começava com 'era uma vez' e nem terminaria como esse tipo de histórias. Disse-lhe que chorava porque sabia que talvez fosse sua última chance de dizer-lhe qualquer coisa e não tinha coragem para terminar de fazê-lo.Terminou com um calafrio e um pedido de perdão...mas não pelo mal que já havia se passado, mas pelo bem que não mais viria.

Depois de ver tamanha consternação naquele papel velho, chorei. Chorei por não ser capaz de dar a ela flores, por não ser capaz de clarear aquele papel, e ainda por ele estar em destroços e não saber como remendá-lo. Mas chorei principalmente porque mesmo sabendo que era papel velho, inutilisável, remendado, dilacerado, tinha uma história linda que merecia ser respeitada. E mesmo assim eu sabia que aquela carta nunca teve e nunca terá resposta.

R.R.
07/05/09